Detox Digital

Coisa mais estranha é abrir o word para escrever minhas coisas e me deparar com três opções de textos para redigir que o Copilot, com base nos meus últimos arquivos, sugere. Sem contar com esse símbolo que fica ao lado de cada parágrafo, para que eu possa corrigir ou melhorar meu texto. Eu ando muito cansada de tanta interferência em atividades que eram pra ser prazerosas.

Entendo a agilidade da IA na elaboração de textos técnicos e corporativos, que exigem uma métrica idêntica, tem um regramento para seguir e ela organiza isso pra gente, mas não me agrada a interferência em nossas ideias, em nosso jeito de escrever, no sentimento que queremos passar por meio de algo tão único como a linguagem. Sim, a linguagem é única e universal ao mesmo tempo. Não é bonito isso?! De uma coisa poder ser tantas e tão pouca ao mesmo tempo?! E vem a IA e quer se apoderar disso também?

Bem, não sou tão ingênua assim pra achar que os robôs invadiram nossas vidas e estamos cada vez mais próximos de vivermos uma distopia Blade Runner, mas que estamos permitindo que robôs façam coisas que não deveríamos abrir não nunca, isso estamos.

E esse também é um dos motivos pela minha milésima tentativa de fazer um detox digital, ou melhor, um detox de redes digitais. No meu círculo mais íntimo de amizades isso já virou piada e caí em descrença por tantas vezes que agi dessa forma. E o que tenho a dizer, meus amigos, é que sempre será assim, porque se tem uma coisa que prezo na minha vida é a liberdade de fazer o que quiser dentro da minha zona de influência, portanto, sim, estou saindo mais uma vez de algumas redes digitais.

Tenho me sentido exausta mesmo depois de descansar muito. Ao acordar, passo cerca de meia hora, ainda na cama, ainda sonada, olhando as redes todas para saber quais são as “novidades” e quais zilhões de rells meus amigos me mandaram ou viram do que mandei. Aliás, a parte mais legal dessas redes são os memes e os rells, isso não posso negar. Mas me incomoda muito viver situações do meu dia e “sentir a necessidade de postar” ou não conseguir andar da minha mesa até o elevador do trabalho sem abrir o IG e dar uma olhada no que tem por lá – mesmo ciente de que não tem absolutamente nada que valha a pena – e assim não olho para os lados, não tenho pensamentos vagos e não me dou espaços de descanso mental.

A quantidade de livros que tenho para ler, de matérias de estudo acumulados, de textos que quero colocar nesse blog, de situações importantes que quero refletir e eu procrastino mexendo em um feed infinito de coisas nada a ver chega a ser sufocante. Dias desses tive um ímpeto de raiva ao rodar as postagens com o som ligado e só aparecer coisas como “cinco alimentos que...”, “faça tal coisa e vc nunca mais vai...”, “compre esse curso e mude sua vida...”, “se quiser mais receitas como essa, clique e adquira seu e-book...”  - cheeeega!!!

E isso não acontece só com IG, acontece também com meu aplicativo de músicas. Reclamo tanto que não tem mais músicas boas como as antigas, mas dia desses me perguntei o que está rolando de músicas novas por aí. Eu simplesmente não sabia como encontrar no Spotify. Ele produz playlists e playlists personalizadas para mim e são sempre as mesmas musicas dos anos 80 e 90. Claro que gosto, mas não gosto só disso. Estou aberta a conhecer outras coisas, mesmo que seja pra dizer que não gosto, mas quero a liberdade de poder escolher, mas o algoritmo não permite isso. Ele “ajuda” a gente a se alienar cada vez mais e oferece pacotes prontos com doses cavalares de mais do mesmo e se não nos dermos conta, essas coisas vão consumindo nosso tempo e nosso cérebro de tal forma que ficamos sim robotizados, falando a mesma coisa, conversando com as mesmas pessoas, ouvindo as mesmas opiniões e enfraquecendo nosso poder de argumentação, nosso posicionado em debates interessantes, ou, que é o que tem acontecido comigo, fugindo de toda e qualquer situação de debate porque me sinto cansada só de pensar em ter que argumentar.

Esse cansaço, na verdade, é uma prostração, um desânimo, uma falta de vontade de ouvir e de colocar opiniões divergentes, refletir sobre elas e, quem sabe, muda-las. Tudo isso exige esforço e estamos exaustos a ponto de “escolher nossas batalhas” que podem contribuir para nosso melhor desenvolvimento cognitivo-social. Mas a “batalha” que sucumbimos é a do algoritmo, em que ficar rodando a tela infinitamente tem mais valor que um bom diálogo a céu aberto.

A culpa não é nossa, não é minha e nem é sua. São as estratégias de sobrevivência – ou sobrevida – do capitalismo. Ele é engenhoso, ele se adapta com uma velocidade enorme e é tão bem estruturado que consegue agir quase que silenciosamente e penetra em nossos neurônios de maneira a nos transformar no que ele quiser. Essa conexão em redes, inspiradas no funcionamento do nosso cérebro, não é por acaso. Isso faz parte da biomimética – abordagem incrível da ciência e tecnologia, capaz de proporcionar soluções sustentáveis e regenerativas, como um design de aeronaves inspirado no vôo dos pássaros, ou de um ar-condicionado sem a necessidade de qualquer fonte de energia. São inúmeras as soluções que, na verdade, sempre existiram nos povos originários de cada canto desse mundo, mas que foram tratados como crenças ou como tecnologias primitivas.

A questão é que esse tipo de abordagem científica funciona para melhorar nossas vidas, mas, como tudo, existe o viés negativo. E o que devemos fazer com esse viés? Essa resposta é uma das poucas coisas que, atualmente, está em nossas mãos. Escolher o que nos faz bem, como queremos viver, o que queremos ouvir e ler é algo que máquina nenhuma pode substituir (embora estejam muito bem empenhados nessa missão). Ter a intenção de praticar um detox digital nos dias de hoje é um ato de resistência e rebeldia, em que devemos passar por um vale de trevas e solidão sobre o está acontecendo no mundo e sobre como estão nossos amigos. Mas, convenhamos, os amigos mesmo tem nosso whatsapp e sobre o que está acontecendo no mundo, ainda temos jornalismo sendo feito, então, tudo é uma questão de adaptação. Até quando conseguirei? Não sei. Mas por ora vou tentar, mais uma vez.

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