Sábado de noite


Sábado de noite, longe dos perigos noturnos, como diz uma amiga, pijaminha, hidratada, alimentada e segura. Segura de mim, segura do mundo, me sentindo em paz.

Tenho pensado muito sobre meu estado de saúde mental e física que, pela primeira vez ao longo desses anos de vida, tem estado em paz. Parece quase um pecado dizer isso aos outros ou escrever de maneira pública, mesmo que tenham menos de seis pessoas me lendo. Estar em paz é uma frase que sempre me lembra a música do Los Hermanos e que aumenta esta sensação.

Tem sido curioso comentar com meus amigos, mesmo os mais íntimos, sobre esse meu momento. Invariavelmente recebo um retorno sobre “nossa, ainda não consegui essa elevação”, ou algo assim:  “também, tá com a vida ganha!” (a intimidade às vezes pode ser cruel) e algumas clássicas como “é, né, sem filho pequeno e marido até eu fico em paz”. É engraçado como a gente tem dificuldade de escutar o outro e simplesmente aceitar o que se diz. Sem fazer juízo de valor. Eu sinto muita dificuldade de fazer isso também. E o que me chama a atenção é que os comentários – feito por homens e mulheres – é sempre carregado de uma tristeza da vida como ela é, além de ser autocentrada. A gente costuma falar a partir do nosso “ponto de vida” e não pelo ponto do outro, respeitando o momento do outro, compreendendo e aceitando o que é do outro.

Nem vou falar aqui sobre o percurso todo que já vivi para chegar nesse momento de me sentir em paz, de me sentir segura, de me sentir satisfeita com a vida que tenho, porque é óbvio que foi um caminho difícil e repleto de obstáculos e más decisões. Foram precisos anos e mais anos de terapia, conversas, acertos e erros, espiritualidade, banhos de ervas, novenas, mapa astral, jogos de tarô e todo o tipo de ferramenta que a gente se apega quando se sente desnorteado. Mas passou, e não passou como mágica, passou quando escolhi ter intencionalidade nos meus atos. Quando me entreguei totalmente ao processo de análise e, também, quando vi meu filho adulto e independente e eu sem marido, namorado ou companheiro para desviar minha atenção do propósito de viver com intencionalidade. De fato, minhas amigas, a maneira como as relações são construídas socialmente, fica difícil de se sentir em paz. Não raro elas comentam, mesmo amando seus maridos, que quando não estão em casa, a rotina doméstica, com os filhos etc, fica mais leve. E não estou falando de pessoas ruins, homens maus e tals, tô falando de relações relativamente boas, em que há uma troca de afeto e tarefas e momentos de felicidade. Mas a estrutura social do que é estar casada é muito opressora e isso não importa se você é feminista ou não.

Não pode ser coincidência que minha vida começou a entrar em um território de paz quando escolhi não mais estar casada ou namorando, mas nem vou dizer que é por conta do outro – tampouco só pelo outro – isso é um reflexo meu mesmo. Embora me sinta em paz, nessa questão, eu não sei como fazer. Não sei como é se sentir feliz em um relacionamento, não sei como é ter um relacionamento estável, em que haja adição e não subtração de felicidade, que haja independência afetiva, assim como uma vontade genuína de estar junto sem, necessariamente, estar.

Todas as minhas relações foram dolorosas. Todas. Claro que não começaram assim, mas não tivemos maturidade emocional suficiente para construir um caminho que levasse a superação das dores ao ponto de entrar em um momento de paz. Eu não estava preparada para isso, o outro também. Hoje eu consigo compreender o que me conecta com pessoas instáveis, inseguras e indispostas ao autoconhecimento, porque tenho aprendido que as conexões que promovo são um reflexo do momento que estou. Isso não é uma regra, claro, senão eu colocaria todo o aprendizado em um e-book e venderia um curso na internet com uma fórmula pronta e, além de “bem resolvida”, ficaria rica – o que pode até ser um pleonasmo.

Mas, atualmente, consigo compreender sobre qual a minha disponibilidade para me dedicar a uma relação de maneira diferente de tudo o que fiz até agora. E sabe o que torna tudo um pouco mais difícil? Encontrar alguém também disposto a se relacionar de forma diferente ao que foi aprendido ao longo da vida. E isso não diz respeito a idade e nem gênero, mas não posso ignorar o fato de que as relações heteronormativas estão cada vez mais complexas.

Eu que adoro ser libriana e brinco com meu signo como se fosse uma das bússolas que me ajudam a fazer escolhas, sou considerada a pessoa do relacionamento. Todos eles, inclusive, os românticos. E nesse aspecto eu admito sem medo de que gosto muito de me relacionar. Me sinto mais feliz dividindo meu tempo com um outro alguém de maneira romântica e afetiva e essa é uma busca minha ainda, mas eu não encaro mais relações como as anteriores e nem mesmo como as que ainda são “ofertadas”: romance no início, admiração, presentes e presença e, de repente, não mais que de repente, o distanciamento silencioso. O distanciamento afetivo, o distanciamento da comunicação, distanciamento dos propósitos, do corpo físico, dos contatos, até que o silencio doloroso se instala definitivamente e aquela sensação de perda se concretiza. Tantas vezes vivi isso, ora pelo outro, ora por mim mesma. Horrível! Não desejo que as relações sejam assim, não desejo que minhas amigas e amigos passem por isso, não desejo mais viver assim.

Mas esses meus pensamentos ainda não me levam a lugar algum. Se hoje eu conhecesse alguém, meu pensamento frequente seria (é): não sei o que quero. Eu sei tão bem o que não quero, mas o que quero eu não faço ideia e nem sei explicar. E aí teria que encontrar alguém tão disposto quanto eu pra descobrir junto o que queremos. Mas será que existe algum homem com esse questionamento sobre si?  Alguém disposto a se perguntar sobre a forma de se relacionar e, mais que isso, se disponibilizar a experimentar viver de forma diferente? Não é o que tenho visto ao longo dos anos, mas, voltando para minhas características librianas, eu acredito muito na vida e sou uma mulher esperançosa.

E aí me pego pensando: como será permanecer com o sentimento de paz dividindo o tempo com um outro alguém? Alguém já conseguiu isso? Com certeza sim, até porque os critérios de valor sobre o que é se sentir feliz variam demais de pessoa para pessoa. Mas eu tenho me perguntado – e não é de hoje – como será se sentir em paz com uma convivência romântica? Será que eu dou conta ou sou daquele tipo de pessoa que pra se sentir “segura” precisa viver um caos ou uma tensão, independente se é criada por mim ou pelo outro. 

Enfim, quem sabe colocando esses pensamentos em palavras num papel, minha compreensão amplie sobre essas perguntas e eu consiga encontrar algum tipo de resposta. Se bem que nesse caso, a resposta se resume a experimentação. E se tem algo que aprendi nos meus últimos anos de análise é que a vida se aprende vivendo, experimentando e se arriscando.

Mas quero concluir esses pensamentos reafirmando o quanto tenho me sentido em paz, tranquila, segura e amada por mim. A vida presta, disse nossa musa do cinema, e ela presta mesmo, amigas e amigos, todos os perrengues que nos permitimos viver, assim como as alegrias, satisfações e realizações, é que fazem a nossa vida prestar tanto.

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

“Pergunte pra Ela”

Quando os 40 anos chega