Quando os 40 anos chega


Quando completamos 40 anos, uma série de situações começam a surgir em nossa vida que nos faz acreditar que estamos surtando. Surtando loucamente ou em silêncio, não importa a forma.

Às vezes essa virada louca na nossa vida acontece no dia seguinte ao aniversário, como num passe de mágica, ou como se tivesse um botão do tipo start e que não tem a função stop. E aí começa uma nova jornada da heroína, ou melhor dizendo, é aí que começa a jornada da heroína, mas diferentemente da jornada do herói, não há muito a necessidade de dar publicidade aos nossos feitos, muito pelo contrário: sentimos cada vez mais a vontade de vivermos essa jornada em silêncio, aparentemente quietas, visualmente calmas, porém, com um turbilhão de sensações, pensamentos, hormônio e atitudes.

A mulher após os 40, começa a fazer coisas que soam estranhas àqueles que estão acostumados a ela. Geralmente os companheiros, filhos e amigos mais próximos, que não nos dão a devida atenção, simplesmente estranham esses comportamentos, mas também não se aprofundam neles.

É aí que nadamos de braçada em nossas loucuras conscientes.

Depois dos 40, a necessidade de validação diminui na mesma velocidade do estrogênio e isso nos dá muita, mas muita liberdade em ser. Não raro ouvimos mulheres mais velhas dizer que a maturidade permite com que falem ou façam “bobagens” ou aquelas coisas que não se diz quando nos cobram um comportamento aceitável na sociedade. Todas aquelas chatices sobre etiqueta, bons modos, finesse etc simplesmente deixam de fazer parte do nosso repertório cotidiano. Mas isso não significa que a maturidade nos torna mal-educadas, ela apenas nos torna libertas dessas correntes, o suficiente para que nos sintamos à vontade em usar todas essas ferramentas nos momentos em que desejarmos e não mais nos momentos que nos obrigam. Saca a diferença?

Tudo muda aos 40. Absolutamente tudo. A medicina ocidental sustenta essa mudança em questões hormonais, mas a sabedoria oriental (e tem tantas) atribui essas mudanças a uma fase psíquica e comportamental de frutificação do ser, de sabedoria mesmo, de liberdade – claro que não estou trazendo aqui as transversalidades da questão de classe e raça – estou falando de um modo generalizado, aquele que acontece no íntimo de toda mulher e que, infelizmente, nem todas tem tempo, dinheiro e suporte para o autoconhecimento a ponto de trazer para a superfície todas essas inquietações.

Após os 40 nossa sexualidade muda absurdamente, assim, com todas as hipérboles que existem na língua portuguesa e em qualquer outro idioma. Tudo muda em uma velocidade impossível de ser acompanhada, tanto pela mulher, quanto por seus companheiros (independente da orientação sexual). Textura, cheiro, secreções, desejos, libido, fantasias, frequência, posições, tempo, velocidade, contato, visão, aproximação. Não é surpresa que muitas mulheres nessa fase entram em crise profunda e iniciam ou intensificam a terapia. Também é a fase em que se mergulha mais no autoconhecimento, na espiritualidade e nas reflexões sobre amar e ser livre.

A mulher de 40 anos é uma outra mulher. Já cheguei a pensar que ela é um parasita que ficou se alimentando de mim esse tempo todo e agora cresceu tanto que resolveu se apropriar do meu corpo, transformando-o completamente, um pouco como o conceito daquele filme “A substância”. Aliás, o corpo da mulher pós 40 pode ser um capítulo à parte em sua jornada de heroína. Se já foi difícil alcançar ou sustentar padrões durante toda sua existência, após os quarenta isso PRE-CI-SA deixar de ser o foco, porque as mudanças estéticas são tão bruscas quanto as hormonais e psíquicas, talvez até mais.

Porém, essa é nossa fase de melhor produção de vida. Engraçado pensar que à medida que nos tornamos menos férteis para produzir outro humano, nos tornamos extremamente férteis para produzir autoconsciência e parirmos projetos incríveis no mundo. Uma simples pesquisa no google vai trazer a quantidade de obras literárias, cinematográficas, artigos científicos, referências em carreiras públicas ou privadas realizadas por mulheres acima de 40 anos – eu arriscaria dizer após os 45, porque esses 5 anos são pra gente entender toda a transformação que acontece a começarmos a acreditar que podemos colocar no mundo tudo o que quisermos. Claro que os obstáculos sociais do patriarcado continuam e se tornam até maiores, mas a gente também cresce na forma de superá-los e de impedir que nos paralisem, diferentemente de antes.

Lembro muito de mim, aos 20 e poucos, em meus momentos de autorreflexão, que sonhava, almejava e ansiava pelos meus 40. Eu tinha uma imagem de que eu estaria muito poderosa, muito dona de mim, muito independente, muito livre. E estou! Caraca, eu consegui isso tudo e muito mais! E nem tô falando aqui sobre recursos financeiros, porque quem nasce proletário tem 99% de chance de morrer proletário, completamente diferente de quem nasce herdeiro, enfim, não é sobre isso que estou falando, mas eu consegui. Na verdade, estou conseguindo, já que ainda me encontro nesse pequeno limbo dos cinco anos até a apropriação plena sobre minhas capacidades.

Assim como digo para a juvenil que fui, falo também para as juvenis que estão cruzando as tempestades da vida que ocorre dos 28 até os 39 (nossa, tenho arrepios só de lembrar dessa fase!), que a tempestade passa. Ela passa e aos 40 não se instala o paraíso, mas a travessia, embora ainda enlameada, se torna cada vez menos escorregadia, mais firme, com menos medo dos perigos noturnos e mais força para abrirmos um clarão em meio à floresta fechada, limpando o terreno e iniciando assim, a construção de nossa nova comunidade. 

Esteja você onde estiver, sinta-se muito bem-vinda aos 40!

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