O que tem depois do fim?

Nos últimos três dias eu passei lendo meu caderno de memórias. Tenho vários cadernos de memórias guardados, desde os meus vinte e poucos anos. Vez ou outra gosto de reler coisas antigas pra me (re)conhecer e identificar o que permanece e o que mudou. Às vezes dou risada com algumas preocupações da época e outras eu percebo o quão madura ou em estado de sofrimento eu já estive. Mas esse caderno de reli é mais recente. Lembro de quando comprei e de quando escrevi meus primeiros sentimentos. Foi em Julho de 2023. Eu sabia que minha vida mudaria muito dali pra frente e, como já virou um ritual meu, fui até o mar. Lembro que desci pro litoral paulista uma da tarde apenas com a roupa do corpo, uma ecobag com documentos, celular, carregador, o caderno e uma caneta. Estava um frio paulista cortante. Tirei os sapatos, pisei na areia, pedi uma cerveja e uma porção de peixe empanado. Fiquei olhando para o mar, para aquele dia que tinha um sol tímido e um vento cortante espirrando areia no meu rosto, no meu corpo e entrando em meus cabelos. E eu olhava o mar de Santos, com sua cor amarronzada e sua areia densa, aos olhos de muitos, um mar feio, mas aos meus olhos, um paraíso que eu podia visitar em menos de duas horas de estrada.

Dessa vez não entrei no mar e nem molhei os pés, mas passei um tempão contemplando-o, com o caderno aberto no meu colo, a caneta na mão e o pensamento voando como os grãozinhos de areia. Comecei a escrever logo na primeira página. Sempre começo a escrever com alguma organização e racionalidade – tal qual esse texto – mas logo na terceira linha eu deixo outra coisa tomar conta das minhas mãos e do que registra nas folhas, sejam de papel ou seja eletrônica. Não é espiritualidade e nem mediunidade, é apenas entrega ao momento presente. E naquele dia eu estava muito entregue. Sentindo um pouco de frio junto com uma quentura vindo do meu estomago, que sabia, antes do meu cérebro, que as coisas iriam mudar radicalmente na minha vida. Como de praxe, mesmo sem molhar os pés na água, fiz minhas orações a Rainha do Mar, meus agradecimentos por tudo o que ela havia me trazido nos últimos anos (importantes acontecimentos foram inaugurados por ela) e pedi para que levasse em suas águas todas as coisas que não me serviam mais, que eu já havia aprendido e que, por algum motivo muito humanóide eu ainda segurava. E nesse dia eu escrevi tanto. Muitas páginas sem parar. Uma ânsia de traduzir em palavras tudo o que eu estava sentindo há anos e que entendia que aquele cenário, aquele momento so meu, era o melhor momento para entregar ao universo as coisas que percorriam meu corpo e que eu não sabia o que fazer.

Entao eu reli esse caderno de memórias, que passei a escrever com certa frequencia. Não era bem um diário, mas haviam meses que eu escrevia diariamente, depois espaçava semanas e tiveram meses que nem escrevi por lá. E foi tão bom reler minhas memorias dos anos recentes, porque ficou tao claro enxergar o quanto me demoro em lugares e pessoas que já se foram. Como seguro situações que já foram embora, mas que eu insisto para ficar mais um pouco, mesmo sabendo que me fazem mal. Mas eu também fiquei muito feliz de ver todas as mudanças que promovi em minha vida nos últimos dois ou três anos. Foram mudanças impactantes demais para mim e para todos ao meu redor. Os meus movimentos internos, a partir do momento que permiti que saíssem de mim, bagunçaram tantas vidas ao meu redor. Algumas se auto-organizaram, outras nem tanto. E foi bonito de ver que tanto eu quanto o mundo se autoregulava e as coisas fluíam bem sem mim. Isso diminuiu muito minha ansiedade e minha sensação de salvadora do mundo. Foi libertador perceber que eu não salvava ninguém além de mim. E que a partir dessas movimentações, restaria somente a mim para salvar. E isso foi tao assustador. Ainda é.

E parte dessas movimentações foram se materializando ao longo dos anos com três situações muito especiais ocorridas nos últimos três dias. Tres términos, três rompimentos, finais de ciclos, fechamento de história, seja lá como queira chamar, mas foram três finalizações que promovi em minha vida que abriram um espaço tão grande em minha existência que eu ainda estou perdida sem saber o que fazer. Meu comportamento comum leva para um preenchimento a qualquer custo, com o ímpeto de me matricular em algum curso ou mesmo de conhecer alguém pra vida toda (eu rio muito de mim quando penso nisso de amor pra vida, porque ao mesmo tempo que não acredito, eu acredito, mas isso é tema para outro devaneio meu). Mas hoje eu me dei conta que esses vazios precisam muito existir. Muito mesmo. Mesmo que me pareçam estranhos, mesmo que me sinta mexida com eles, por vezes triste e por vezes eufórica, tenho pensado em transformar esses vazios em espaços. Espaços para que situações diferentes possam passar pela minha vida. Preencher espaços é o que venho fazendo desde minha infância, e por mais que eu esteja viva e saudável, a trajetória foi tao cansativa e os resultados nem tão satisfatórios assim, que hoje eu quero me propor a fazer diferente. Hoje eu preciso lutar comigo mesma, persistir e me determinar a abrir espaço para uma nova vida chegar.

E dentro de um espaço cabem tantas coisas e quero que cada uma dessas coisas ou pessoas que cheguem sintam-se acolhidas assim como eu mesma me acolho. Quero que tudo e todos se conectem com o tamanho de amor que sinto e que gosto de compartilhar. Situações e pessoas vem e vão sem precisar permanecer, mas também podem. Aprender a lidar com esses espaços vazios que podem ser ocupados, mas nunca preenchidos, é uma demanda intensa para pessoas emocionadas como eu, que se entregam, que se mostram, que se vulnerabilizam, que falam tudo, que fazem tudo, que sonham e que materializam. Penso tanto nisso! No quanto sou intensa e emocionada com a vida. O quanto isso já foi um problema pra mim, o quanto ainda é um problema para a sociedade e o quanto eu não quero deixar de ser assim, mesmo que muitas vezes eu sinta um sofrimento sem tamanho.

Mas toda essa minha intensidade, disponibilidade, reciprocidade com a vida e com as pessoas, eu já disse por aqui que amo me relacionar com gente, gera um desgaste enorme que tenho aprendido a lidar, a me afetar, mas sem me desestabilizar. Ainda é um grande exercício, mas tenho tido boas evoluções. E terminar essas três situações nos últimos três dias me trouxe tanta paz, tanto encantamento, tanto envolvimento comigo mesma. Gosto de compartilhar isso com as pessoas que amo e admiro. Algumas compreendem e me acolhem e ficam genuinamente felizes por minha conquista, outras ficam inconformadas com as decisões que tomo e me julgam precipitada, outras mal ouvem o que eu falo, mas respondem prontamente e indignadas: “demorou tudo isso pra voce se tocar?!” Tudo bem, cada uma dessas pessoas tem um jeito de lidar comigo que me agrada, pois todas elas demonstram a beleza da diversidade e do repertorio de vidas que existem e que tanto me elevam emocionalmente.

Fato é que ter encerrado essas três situações traz alivio e medo no mesmo pacote. Será que vou sobreviver sem elas? Será que darei conta de sustentar minha decisões? Será que me sentirei querida ou gerarei sentimentos ruim em alguém por ter tomado essas decisões? Sim, o olhar e o julgamento alheio ainda me afetam, mas não me paralisam. Agora to entrando em uma outra fase, aquela de descobrir o que tem depois do fim. Pergunta filosófica e existencial, não é?!

“O que tem depois do fim?”

Não faço a menor ideia. Nesses minutos que passei escrevendo, depois desses fins que promovi, só estou tomando minha taça de vinho e ouvindo o delicioso Jose James ao fundo, com sua voz sexy e melodia que convida a dançar, abraçar, beijar e gozar a vida. Eu poderia ser bem clichê e dizer que depois do fim tem o recomeço, porque a vida é cíclica e bla bla bla, mas eu prefiro dizer que não sei. E não sei mesmo. E não saber me deixa muito excitada! Não saber desperta minha curiosidade, instiga meu corpo e minha mente a descobrir e assim eu acordo todos os dias com uma expectativa do que pode ser. E isso me deixa animada, empolgada. Estudo mais, enxergo melhor, escuto mais, apuro meu olhar de observadora, meu faro se amplia e consigo captar tantas coisas diferentes. Nem tudo é tao bom, claro, pois a vida não depende só de mim, mas em geral, no meu balanço pessoal, essa sensação de que sempre há possibilidade de algo diferente para acontecer me instiga muito mais do que me assusta.

E vou continuar aqui, ouvindo o gostoso do Jose James, tomando meu vinho e me perguntando: “O que tem depois do fim?”

E só pra registrar, eu terminei três coisas importantes nesses últimos três últimos dias e abri, no mínimo, três possibilidades novas de existência em minha vida. 😊

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