Joia rara e bruta

Eu não sou material em decomposição. De onde ela tirou isso? Não gostei de ser comparado a um monte de matéria morta. Matéria fedida. Matéria pútrida. Ela está equivocada. Muito equivocada. Ela me ofende. Eu me sinto ofendido. Eu não sou material em decomposição. Eu sou joia rara e bruta. Sou joia rara e bruta. Problema dela se não enxerga. Problema dela se não sente. Problema dela se não me reconhece. Eu não sou material em decomposição. Nenhum verme vem me comer. Não me fundo a terra onde fungos me devoram e crescem e cogumelos gigantes se formam e alucinam aqueles que ousam me comer. É isso. Ela está alucinada. Ela me comeu e está alucinada. Ela comeu cogumelos. Ela está alucinada. Ela está alucinando. Ela está. Eu não. Eu não sou material em decomposição. Eu sou joia rara e bruta. Joia rara, bruta e que não quer ser lapidada. Quero ser encontrado. Quero ser descoberto. Eu já sei o que sou. Sou joia rara e bruta. Quer me encontrar? Eu quero ser encontrado. Quero ser visto. Quero ser desejado. Quero ser cuidado. Quero ser limpo. Quero que tirem a terra que há sobre mim. Sou joia rara e bruta escondido entre os veios de uma rocha escondida na mata mais fechada que a mata fechada. Estou escondido. Ainda não fui encontrado. Mas sou joia rara e bruta. Estou cravado em uma rocha. Ela me viu e deduziu que sou material em decomposição. Ela não me viu de perto. Ela não se interessou por mim. Ela julgou a terra que me encobre, os fungos que me abraçam, os cogumelos que formam cabanas sobre mim. Os cogumelos que ela comeu e alucinou e me ofendeu. Eu sou joia rara e bruta esperando ser encontrado. Esperando ser amado. Eu sou. Eu estou. Eu desejo. Eu almejo. Eu espero. A joia rara e bruta que é delicada, que é fina, que é resistente, que é pesada, que tem pontas, que risca, que corta, que tem ranhuras. Eu tenho ranhuras. Muitas. Ranhuras de anos e anos vivendo. Sobrevivendo há eras e mais eras. Os dinossauros passaram por mim e não me viram. Os homens das cavernas passaram por mim e não me viram. Animais selvagens passaram por mim e não me viram. Homens com facões passaram por mim e não me viram. Mulheres pariram em mim e não me viram. Crianças escreveram em mim e não me viram. Pessoas me estudaram e não me viram. Ninguém me vê. Mas ela me vê. Ela me viu. Mas ela não me enxergou. Ela diz que sou material em decomposição. Mas eu sou joia rara e bruta. Eu sou joia a ser descoberta. A ser vendida por grande valia. Eu sou joia a adornar o colo da donzela. Sou joia a acompanhar o anelar que segura a caneta firme que assina a folha branca que contém a posse de terras. Sou joia a enfeitar as mãos daquela que quer casar. Sou joia rara e bruta a compor os vestidos que estão no baile a desfilar. Sou bruta, mas sou fácil de lapidar. Mas não quero ser lapidado. Quero ser desejado. Do jeito que sou. Me chame de drusa. Eu gosto de ser drusa. Eu atraio. Tenho luz reluzente. Luz que arde os olhos de quem vê. Ela está enganada. Não sou material em decomposição. Sou joia rara e bruta e gostaria que ela me enxergasse. Que ela visse minha beleza. Minha raridade. Meu valor. Vou ser descoberto. Queria ser descoberto por ela. Mas as vezes eu duvido de mim. Será que sou mesmo uma joia rara e bruta? Material em decomposição eu sei que não sou. Mas será que sou mesmo uma joia rara e bruta? Não sei se sou mesmo uma joia, tampouco rara. Mas sei que sou bruto. Sou bruto, selvagem, intocado, escondido, fechado em mim mesmo. Abraçado por essa rocha que se criou ao meu redor. Houve um tempo em que eu reluzia. Mas tem tanto tempo que não lembro mais. Eu era partícula. Eu era minúsculo. Eu brilhava. Mas aí veio a terra que me encobre, os fungos que me abraçam, os cogumelos que formam cabanas sobre mim. Os cogumelos que ela comeu e alucinou e me ofendeu. Se um dia ela me descobrir. Se um dia ela alucinar com meus cogumelos. Poderia aproveitar para me enxergar. Poderia aproveitar para me tocar. Poderia aproveitar para me comer. Me degustar. Me sentir. Ela sentiria meu toque gelado que aquece a medida que é abraçado. Ela poderia alucinar com meus cogumelos e me amar. Eu sou bruto mas eu sou de amar. Eu sou de amor. Eu sou de dor. Eu poderia adornar seu colo. Compor um colar pendurado entre seus seios. Eu frio. Ela quente. Eu quente. Eu tocando sua pele. Me tornado uma joia. Rara. Bruta. Em seu colo. Eu me sentiria amado. Eu aquecido. Ela aquecida. Ela enfeitada. Ela feliz. Eu satisfeito. Eu descoberto. Eu cuidado. Eu amado.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

“Pergunte pra Ela”

Sábado de noite

Quando os 40 anos chega