A grande magia

 

Há alguns anos li um livro chamado “Grande magia”, de Liz Gilberth – mesma autora de Comer, Rezar, Amar, minha bíblia pessoal, e tem uma parte que ela fala sobre a ideia, sobre a magia de uma ideia, que ela não tem dono, ela é como uma fada, que fica por aí, perambulando na atmosfera até se conectar com um humano que está com a mente tão livre que a atrai e, assim, ela explode em criatividade. Ela comenta, inclusive, que uma mesma ideia pode surgir em pessoas completamente desconhecidas e que vivem muito longe uma da outra. Desde que li esse trecho (não grifei, então não sei dizer onde está) criei essa imagem da uma grande ideia flutuando por aí, esperando uma pessoa desavisada que é hora de se encontrar. E eu fico querendo ser essa pessoa desavisada, sabe?

Mas a gente não pode deixar toda nossa vida ao acaso ou à grande magia, tem algumas coisas que precisamos fazer, e uma delas é registrar qualquer coisa que passe na nossa cabeça e que naquele átimo pareça uma grande ideia. Mesmo que depois não seja, é muito importante ter esse caderninho mental, esse lugar onde registramos nosso instinto para, depois de algum tempo, desenrolarmos em grandes obras.

E aí que eu estava dirigindo e tive um insight sobre paixão e amor. Não chegou a ser um Eureka!, mas foi uma grande descoberta pessoal. Entendi que vivi uma paixão, daquelas bem clichês de novela e que a psicanálise “cataloga” (bem entre aspas mesmo!) como loucura, maluquice, esquizofrenia. E aí eu passei a viagem toda no carro fazendo digressões sobre paixão e amor. Viajei no conceito de que a paixão nos cega, ela tira a gente do centro, ela nos faz ouvir vozes que não são nossas, ela coloca lentes malucas em nossos olhos que passam a ver as coisas como nós queremos que elas sejam e não como elas realmente são. Percebi que tantas vezes que meu interesse por uma pessoa acabou abruptamente foi porque minha paixão por ela acabou e não sobrou mais nada.

Fiquei pensando que a paixão não se transforma em amor, necessariamente, e que é possível amar sem se apaixonar. E que o grande perigo da paixão é quando ela acaba. Mas esse insight não é meu, é da Ana Suy, psicanalista que escreveu, dentre tantos livros, “A gente mira no amor e acerta na solidão”. Porque quando a paixão acaba, corre-se o risco de não sobrar absolutamente nada. A gente acorda daquele mundo imaginário e o príncipe virou Shrek, o dragão voador virou um calanguinho e nosso brilho virou purpurina de pós-carnaval, que fica impregnada nos poros e é irritantemente difícil de tirar.

E daí que, se durante o período de paixão, a gente não desenvolveu nenhuma habilidade mais profunda com a relação vivida, o que resta é o vazio (nossa, será que só agora estou entendendo o livro?!). E o vazio que resta é assustador. Porque quando a gente volta de uma paixão, a gente volta de uma catarse: exaustas física e mentalmente.

Óbvio que tracei paralelos com histórias que eu já vivi e me peguei pensando: por que que agora o que eu sinto é diferente? Por que que agora parece que eu tenho uma consciência tão transparente sobre os fatos, sobre o que foi bom e o que não foi, sobre o que é passível de conviver e o que é inegociável? E eu fui pensando em tudo isso e prestando atenção em como meu corpo reagia. E ele se mostrou calmo e sereno e com uma sensação de abraço bem no meio do peito. Faça um esforço pra entender isso, pois essa é a melhor descrição que encontro no momento. Senti uma coisa boa, uma calma junto com uma saudade. Daí surgiu uma frase muito louca na minha mente: “é amor, Ju!”.

É amor?! Isso é amor? Ou isso também é amor? É possível amar alguém e saber que estar muito perto dela por muito tempo pode não ser tão bom? Isso também é amor?

Não sei o que a literatura diz sobre isso, nem os cientistas, mas o meu corpo diz que sim. E eu confio mais no meu corpo do que em quem o estuda. Pois é, é A M O R. E aí abriu uma clareira em minha mente. Percebi que eu me apaixonei enquanto ele me amou desde o primeiro momento. Fui apaixonada por A N O S por essa pessoa. Apaixonadérrima, de fazer umas loucuras, de não ter um pingo de sanidade. De envolver trabalho, negócios, bens, corpo e alma. Esquizofrênica total.

Mas aí entrou um serzinho na minha vida que começou a lapidar essa loucura toda, um serzinho que, dependendo do ponto de vista, só atrapalhou o rolê, mas considerando o meu ponto de vista e, que fui eu quem a procurei intencionalmente, ela realmente foi a salvação de mais uma alma entregue a religião da paixão. Minha terapeuta, é claro!

Ela foi me fazendo entender os descompassos do meu coração, aqueles mesmo que Alceu cantou tão lindamente:

A solidão é fera, a solidão devora
É amiga das horas, prima-irmã do tempo
E faz nossos relógios caminharem lentos
Causando um descompasso no meu coração

E aí eu fui saindo da catarse, fui enxergando o que era real, fui tateando minhas incoerências, minhas intensidades, pude ficar cara-a-cara com a vida, com o que restou dela e levei um susto quando consegui enxergar com muita nitidez, tudo o que a vida poderia e queria me mostrar.

Depois de passar um tempo com as mãos sobre os olhos, declaradamente não querendo ver, comecei a afastar dedo por dedo e abrir os olhos, observando ainda por frestas pequenas tudo aquilo que eu podia alcançar. Fui espaçando os dedos cada vez mais, conforme me era anatomicamente possível, até chegar o dia em que consegui me desvendar por completo. Depois disso, coloquei novos óculos, ajustei o grau de acordo com minha necessidade e cheguei à conclusão de que minha paixão tinha acabado e isso era um dos maiores motivos do meu sofrimento.

Eu adoecia tanto. Meu corpo sentia tanto toda minha miopia da vida. E como eu não conseguia sentir com a alma, meu corpo que gritava enlouquecidamente por socorro.

Mas depois que passei a enxergar com mais nitidez, o corpo parou de doer, mas a alma foi atingida. E foi aí que me surpreendi, porque alma não tem dor, alma apenas sente. E passei a sentir na alma. Meu corpo parou de doer, mas passou a externalizar os sentimentos da minha alma por meio do choro. Virei uma chorona. Qualquer cena um pouco mais emotiva, se transforma em dramalhão mexicano em meus olhos e eu só deixo sair. Não seguro, não retraio, apenas sinto.

Porque eu descobri o que é o amor pra mim e uma descoberta dessa é motivo suficiente para chorar muito. Um alívio, um quentinho, um gostosinho, a sensação de abraço bem no meio do peito. Eu passei a amar, a enxergar como as coisas são e consegui dizer não para o que eu não gosto, mesmo amando. Isso é tão desafiador quando a gente cresce em um ambiente de insegurança afetiva. Porque passamos a vida toda buscando validação, buscando afeto, buscando apoio, buscando qualquer sinal que nos faça sentir que somos queridos, desejados e amados.

E é daí que vem as relações desastrosas, os abusos, a falta de confiança em si. E quando, na fase adulta, depois de sofrermos muito, percebemos que essa lacuna nunca será preenchida por ninguém e nem por nada, que a gente precisa mesmo é ter consciência dela, acolher verdadeiramente, entender que existe e sempre vai existir, mas que não vai mais ocupar todos os aspectos da nossa existência, a gente vai fazendo as pazes com esse vazio e parando de lutar contra.

Eu ainda estou nessa fase da consciência e aprendendo dia-a-dia em como aceitar esse vazio, em como conviver de forma harmoniosa com ele, mas a grande diferença é que não estou mais brigando com ele. Resolvi encerrar o embate, a busca incessante, a necessidade de ser ouvida, vista e desejada. Ainda quero tudo isso, mas não mais como sendo A coisa que vai me fazer feliz.

Talvez por isso eu tenha passado muito tempo sozinha nas ultimas semanas, muito tempo lendo, escrevendo, pensando, em completo silencio. Mesmo saindo, mesmo interagindo, mesmo trabalhando muito, tenho estado numa solitude gostosa, num cantinho tão sagrado que não tô deixando ninguém entrar. E não quero que entrem, mesmo. Agora que tô terminando minha faxina interna, deixando minha alma decorada, perfumada e aconchegante, vou ter que dividir tudo isso, ter que fazer o exercício de compreensão do outro para um bom convívio? Não, agora não! Agora eu quero curtir toda minha construção, minha obra, meus presentes para mim mesma. Agora é hora de eu me curtir. Depois eu penso o que faço com minha solitude.. Eu não quero mais viver uma vida de paixão agora que aprendi a flertar com o amor. Por agora, a única conexão que estou disposta a fazer é com a fadinha da ideia da grande magia. 


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