A grande magia

Mas a gente não pode deixar toda
nossa vida ao acaso ou à grande magia, tem algumas coisas que precisamos fazer,
e uma delas é registrar qualquer coisa que passe na nossa cabeça e que naquele
átimo pareça uma grande ideia. Mesmo que depois não seja, é muito importante
ter esse caderninho mental, esse lugar onde registramos nosso instinto para,
depois de algum tempo, desenrolarmos em grandes obras.
E aí que eu estava dirigindo e
tive um insight sobre paixão e amor. Não chegou a ser um Eureka!, mas
foi uma grande descoberta pessoal. Entendi que vivi uma paixão, daquelas bem
clichês de novela e que a psicanálise “cataloga” (bem entre aspas mesmo!) como
loucura, maluquice, esquizofrenia. E aí eu passei a viagem toda no carro fazendo
digressões sobre paixão e amor. Viajei no conceito de que a paixão nos cega,
ela tira a gente do centro, ela nos faz ouvir vozes que não são nossas, ela
coloca lentes malucas em nossos olhos que passam a ver as coisas como nós
queremos que elas sejam e não como elas realmente são. Percebi que tantas vezes
que meu interesse por uma pessoa acabou abruptamente foi porque minha paixão
por ela acabou e não sobrou mais nada.
Fiquei pensando que a paixão não se
transforma em amor, necessariamente, e que é possível amar sem se apaixonar. E
que o grande perigo da paixão é quando ela acaba. Mas esse insight não é meu, é
da Ana Suy, psicanalista que escreveu, dentre tantos livros, “A gente mira no amor
e acerta na solidão”. Porque quando a paixão acaba, corre-se o risco de não
sobrar absolutamente nada. A gente acorda daquele mundo imaginário e o príncipe
virou Shrek, o dragão voador virou um calanguinho e nosso brilho virou
purpurina de pós-carnaval, que fica impregnada nos poros e é irritantemente
difícil de tirar.
E daí que, se durante o período
de paixão, a gente não desenvolveu nenhuma habilidade mais profunda com a
relação vivida, o que resta é o vazio (nossa, será que só agora estou
entendendo o livro?!). E o vazio que resta é assustador. Porque quando a gente
volta de uma paixão, a gente volta de uma catarse: exaustas física e
mentalmente.
Óbvio que tracei paralelos com
histórias que eu já vivi e me peguei pensando: por que que agora o que eu sinto
é diferente? Por que que agora parece que eu tenho uma consciência tão transparente
sobre os fatos, sobre o que foi bom e o que não foi, sobre o que é passível de
conviver e o que é inegociável? E eu fui pensando em tudo isso e prestando
atenção em como meu corpo reagia. E ele se mostrou calmo e sereno e com uma
sensação de abraço bem no meio do peito. Faça um esforço pra entender isso,
pois essa é a melhor descrição que encontro no momento. Senti uma coisa boa,
uma calma junto com uma saudade. Daí surgiu uma frase muito louca na minha mente:
“é amor, Ju!”.
É amor?! Isso é amor? Ou isso também
é amor? É possível amar alguém e saber que estar muito perto dela por muito
tempo pode não ser tão bom? Isso também é amor?
Não sei o que a literatura diz
sobre isso, nem os cientistas, mas o meu corpo diz que sim. E eu confio mais no
meu corpo do que em quem o estuda. Pois é, é A M O R. E aí abriu uma clareira
em minha mente. Percebi que eu me apaixonei enquanto ele me amou desde o
primeiro momento. Fui apaixonada por A N O S por essa pessoa. Apaixonadérrima,
de fazer umas loucuras, de não ter um pingo de sanidade. De envolver trabalho,
negócios, bens, corpo e alma. Esquizofrênica total.
Mas aí entrou um serzinho na
minha vida que começou a lapidar essa loucura toda, um serzinho que, dependendo
do ponto de vista, só atrapalhou o rolê, mas considerando o meu ponto de vista
e, que fui eu quem a procurei intencionalmente, ela realmente foi a salvação de
mais uma alma entregue a religião da paixão. Minha terapeuta, é claro!
Ela foi me fazendo entender os
descompassos do meu coração, aqueles mesmo que Alceu cantou tão lindamente:
E aí eu fui saindo da catarse,
fui enxergando o que era real, fui tateando minhas incoerências, minhas
intensidades, pude ficar cara-a-cara com a vida, com o que restou dela e levei
um susto quando consegui enxergar com muita nitidez, tudo o que a vida poderia
e queria me mostrar.
Depois de passar um tempo com as mãos
sobre os olhos, declaradamente não querendo ver, comecei a afastar dedo por
dedo e abrir os olhos, observando ainda por frestas pequenas tudo aquilo que eu
podia alcançar. Fui espaçando os dedos cada vez mais, conforme me era
anatomicamente possível, até chegar o dia em que consegui me desvendar por
completo. Depois disso, coloquei novos óculos, ajustei o grau de acordo com
minha necessidade e cheguei à conclusão de que minha paixão tinha acabado e isso
era um dos maiores motivos do meu sofrimento.
Eu adoecia tanto. Meu corpo
sentia tanto toda minha miopia da vida. E como eu não conseguia sentir com a
alma, meu corpo que gritava enlouquecidamente por socorro.
Mas depois que passei a enxergar
com mais nitidez, o corpo parou de doer, mas a alma foi atingida. E foi aí que
me surpreendi, porque alma não tem dor, alma apenas sente. E passei a sentir na
alma. Meu corpo parou de doer, mas passou a externalizar os sentimentos da
minha alma por meio do choro. Virei uma chorona. Qualquer cena um pouco mais
emotiva, se transforma em dramalhão mexicano em meus olhos e eu só deixo sair.
Não seguro, não retraio, apenas sinto.
Porque eu descobri o que é o amor
pra mim e uma descoberta dessa é motivo suficiente para chorar muito. Um
alívio, um quentinho, um gostosinho, a sensação de abraço bem no meio do peito.
Eu passei a amar, a enxergar como as coisas são e consegui dizer não para o que
eu não gosto, mesmo amando. Isso é tão desafiador quando a gente cresce em um
ambiente de insegurança afetiva. Porque passamos a vida toda buscando validação,
buscando afeto, buscando apoio, buscando qualquer sinal que nos faça sentir que
somos queridos, desejados e amados.
E é daí que vem as relações
desastrosas, os abusos, a falta de confiança em si. E quando, na fase adulta,
depois de sofrermos muito, percebemos que essa lacuna nunca será preenchida por
ninguém e nem por nada, que a gente precisa mesmo é ter consciência dela,
acolher verdadeiramente, entender que existe e sempre vai existir, mas que não vai
mais ocupar todos os aspectos da nossa existência, a gente vai fazendo as pazes
com esse vazio e parando de lutar contra.
Eu ainda estou nessa fase da consciência
e aprendendo dia-a-dia em como aceitar esse vazio, em como conviver de forma
harmoniosa com ele, mas a grande diferença é que não estou mais brigando com
ele. Resolvi encerrar o embate, a busca incessante, a necessidade de ser
ouvida, vista e desejada. Ainda quero tudo isso, mas não mais como sendo A
coisa que vai me fazer feliz.
Talvez por isso eu tenha passado
muito tempo sozinha nas ultimas semanas, muito tempo lendo, escrevendo, pensando,
em completo silencio. Mesmo saindo, mesmo interagindo, mesmo trabalhando muito,
tenho estado numa solitude gostosa, num cantinho tão sagrado que não tô
deixando ninguém entrar. E não quero que entrem, mesmo. Agora que tô terminando
minha faxina interna, deixando minha alma decorada, perfumada e aconchegante,
vou ter que dividir tudo isso, ter que fazer o exercício de compreensão do
outro para um bom convívio? Não, agora não! Agora eu quero curtir toda minha
construção, minha obra, meus presentes para mim mesma. Agora é hora de eu me
curtir. Depois eu penso o que faço com minha solitude.. Eu não quero mais viver
uma vida de paixão agora que aprendi a flertar com o amor. Por agora, a única
conexão que estou disposta a fazer é com a fadinha da ideia da grande magia.
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